Cristiane Rozeira: “Nunca deixar de acreditar”

27/02/2022

10min

Proibido ao longo de nossa história, o futebol feminino só veio a ser permitido no Brasil a partir de 1979, quando a disposição é revogada. Logo em seguida, em 1983, a modalidade é, enfim, regulamentada, surgindo clubes pioneiros como o Radar (no Rio de Janeiro) e o Saad (em São Caetano do Sul), e nascem as primeiras competições. 

Em 1988, a FIFA realizou na China um Campeonato Mundial em caráter experimental. E é somente a partir dos anos de 1990 que o futebol feminino passa, enfim, a ser reconhecido e mundialmente aceito.

Conhecer essa história é fundamental para que possamos avaliar a importância e o pioneirismo de meninas como Marta, Formiga, Pretinha e outras tantas, como nossa entrevistada Cristiane, e que nos últimos 20 anos tantas alegrias tem dado à população brasileira – como duas medalhas de ouro nos Jogos Pan Americanos e duas medalhas de prata nas Olimpíadas de Atenas, na Grécia, em 2004, e Pequim, na China, em 2008.

Cristiane passou a ser vista aos olhos do Brasil quando, com apenas 18 anos, é convocada para a seleção brasileira que disputaria os Jogos Pan Americanos em Santo Domingo, na República Dominicana, e, na final contra o Canadá sai do banco de reservas para marcar, na prorrogação da partida, o então chamado “gol de ouro”, e garantir ao Brasil sua primeira medalha de ouro na modalidade. 

De lá para cá, ela integraria uma geração pioneira e vencedora de meninas que conquistaria, como já mencionado, também duas medalhas de prata olímpicas (2004 e 2008), um vice-campeonato mundial (2007) e o bicampeonato do próprio Pan em 2007, no Rio de Janeiro.

Ao longo dessa carreira bem-sucedida, Cristiane tornou-se a maior goleadora do futebol brasileiro em Olimpíadas, com 14 gols. E, embora não tenha sido convocada para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020 – em função de lesões que atrapalharam sua preparação –, ainda mantém seu protagonismo na modalidade, como jogadora do Santos, comentarista dos jogos na Rede Globo e futura técnica. 

Leia a seguir a entrevista concedida por ela, com exclusividade, ao Atacadão.

Cristiane, nos conte como foi o seu início no futebol (que há alguns anos era um “jogo de meninos”)?

No início foi difícil porque nós não tínhamos incentivo naquela época e o preconceito era muito grande. Não havia muitas meninas jogando futebol. E eu jogava futebol de rua, junto com os meninos. Tinha preconceito, você tinha que ficar cuidando de casa, lavando louça, brincando de boneca com as meninas…  Então esse início foi bem complicado. 

Tinha uma visão que o futebol era um esporte masculino e não podia ser brincado. Porque, afinal, eu era uma criança e encarava aquilo como uma brincadeira… não havia maldade.

O futebol te levou a morar em vários países, como Alemanha, Estados Unidos, Rússia, França, Coreia do Sul… Como foram essas experiências todas?

Sim, eu tive bastante experiência jogando em outros países, não apenas aprendendo a língua, a cultura, mas também conhecendo outras atletas, a maneira como cada país levava o futebol, como era o seu tipo de treinamento. E essa experiência contribuiu muito para minha carreira, além de ter sido importante eu ter marcado o meu nome e ter levado o nome do Brasil para esses países. 

Você acha que jogar futebol é ter talento nato? Está no DNA? Ou se pode “aprendê-lo”? Ou faz muita diferença treinar, trabalhar? A gente imagina que deve ter passado por momentos difíceis, onde a determinação e a fé foram importantes, não é isso?

A primeira coisa é você amar o que está fazendo. O futebol veio em mim desde pequena, não foi alguém que disse que eu tinha que jogar futebol. Eu via os meninos jogarem na rua, o meu irmão treinava em uma escolinha. Então aquilo já veio de mim, eu amava o futebol. Eu realmente não sei dizer se é algo que está no DNA, se é um talento que vem com você… O que eu acho é que é algo de cada um, varia muito.

Tem atletas, por exemplo, que acabam se tornando jogadores de futebol um pouco mais velhos, que só descobrem esse talento com mais idade… tem outros que desde pequenos se dizem jogadores de futebol, mas que acabam não vingando. Então, não tem como definir o que aconteceu comigo, mas sei que o amor tem que ser maior não só no futebol, mas em qualquer outra coisa que você faça. 

Você entende que uma carreira no futebol feminino, de uma menina da periferia de São Paulo, se assemelha ao esforço de empreendedorismo de tantos clientes do Atacadão em todo o Brasil? Quais são os segredos para fazer sucesso, para dar certo?

Ah, sem dúvida! Eu, venho de uma família muito humilde, de Osasco. Minha mãe era empregada doméstica, meu pai caminhoneiro, eu morava no quintal da casa de minha avó, em dois cômodos, como aliás muitas pessoas vivem ou já viveram. E você crescer dentro daquilo que ama, com seus esforços, com muito trabalho, sem precisar passar por cima de ninguém, acho que isso se assemelha sim aos clientes do Atacadão, né? 

Pessoas que querem crescer na vida. Sim, eu acho que nossas histórias, nesse sentido de querer conquistar o mundo, de você querer subir dentro de uma empresa, ser reconhecido, acho que se assemelha muito com a gente que pratica esporte, porque muitas vezes começamos do nada e temos que ralar bastante e passar por um monte de coisas até alcançar o reconhecimento que você merece.

Como você vê o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil?

Eu vejo um crescimento muito grande. Acredito que depois de 2019, por conta das mídias sociais, da divulgação, TV aberta, o futebol feminino teve um impulso bem maior, isso foi nítido. Porque os títulos que nós já tínhamos, as medalhas que a gente ganhou foram extremamente importantes.

Só que, por conta dessa maior visibilidade, a partir de 2019, as pessoas passaram a acompanhar mais a modalidade, as empresas passaram a se interessar mais e viram que a gente colocava muito amor no que fazíamos. 

Até porque o futebol feminino não chega nem encosta no futebol masculino em termos de valores… então as pessoas começaram a reconhecer o amor gigantesco que existe no que as meninas do futebol feminino do Brasil fazem. 

Isso acabou contribuindo para que as pessoas quisessem consumir o futebol feminino e, por outro lado, as jogadoras vissem que o que a gente tem feito é importante e cada vez mais se conscientizem da importância de deixar um legado para a próxima geração.

E o futuro? Quais são os seus próximos passos? O que você está pensando a médio e longo prazo? Você já tem data para parar de jogar?

Olha, não sei, eu pretendo seguir jogando, sei que tenho condições de jogar pelo menos mais uns quatro anos, pelo tanto que me cuido e me dedico…, mas não sei ainda… eu estudo, faço curso de treinadora, vou fazer curso de gestão… eu sei que dentro do esporte eu pretendo permanecer.   

Para finalizar, uma pergunta que temos feito a todos os nossos entrevistados: o Brasil tem jeito?

Acho que a gente vive um momento muito turbulento na vida do nosso país. Uma situação que é difícil, até por conta da pandemia, de pessoas que perderam familiares, perderam o seu emprego, empresas que quebraram… é um momento complicado também em termos políticos…, mas eu acredito que sim, que tem jeito, sim. 

Sempre dá para você tentar dar um jeito em alguma coisa. Só que precisa de ação para que as mudanças possam acontecer. E a gente nunca pode deixar de acreditar. Não dá para largar, não dá para desacreditar que tem jeito. O importante é a gente manter a fé, cada um fazer a sua parte, se ajudar. Eu acho que tem jeito, sim. 

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