Nordestino: “antes de tudo, um forte”
12/06/2023
11min
A região Nordeste – onde, aliás, nasceu o Brasil – é composta por nove estados: Pernambuco, Bahia, Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Embora, como todas as outras regiões, tenha peculiaridades específicas, convencionou-se chamar os habitantes de nordestinos, em alusão ao nome da região.
Mesmo que à primeira vista pareça algo óbvio, a verdade é que não é bem assim: ninguém chama, por exemplo, paulistas ou mineiros de “sudestinos”. A denominação parece ser muito mais um elo entre o povo de toda aquela região com uma história marcada por muitas dificuldades.
Não foi à toa que o célebre escritor Euclydes da Cunha (autor de “Os Sertões”) cunhou a expressão: “Nordestino, antes de tudo um forte!”
O nordestino é a raiz do Brasil
A verdade é que a formação do povo nordestino se confunde com a própria história do Brasil.
Um estudo científico realizado em 2018 por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, em parceria com a Universidade de Virgínia (EUA), traçou “a composição étnica do povo nordestino” a partir da coleta de DNA presente na saliva de mais de 1.500 crianças de cidades do interior.
Marcas genéticas de três populações na composição da gente nordestina foram constatadas. O estudo revelou que mais de 56% do material genético é de origem portuguesa e holandesa (ainda fruto das invasões holandesas na região entre 1630 e 1654); quase 23% de origem africana (principalmente do Quênia) e pouco mais de 20% de origem indígena.

“O nordestino é, sim, feliz. Trabalha duro, mas aproveita bem a vida, sem precisar de muito”
Outro dado muito interessante revelado por um estudo feito, em 2012, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra, quase que paradoxalmente, que, apesar de ser uma região que, historicamente, tem sofrido com situações como seca, abandono governamental, maior incidência de fome e outras dificuldades, o Nordeste brasileiro ainda é considerado “como a região mais feliz do Brasil”.
E mais: “Caso fosse um país independente, a região Nordeste do Brasil estaria em nono lugar na classificação mundial de lugares onde as pessoas são mais alegres.”
O nordestino é, sim, feliz. Vive na maior área litorânea do Brasil e uma das maiores do planeta, com praias belíssimas, como Jericoacoara (CE), Maragogi (AL), Porto de Galinhas (PE), Pipa (RN), Trancoso (BA), entre tantas outras.
Bairrista, o nordestino trabalha duro, mas aproveita bem a vida sem precisar de muito, sendo feliz na simplicidade. E não perde oportunidades para se animar. Basta ver o seu Carnaval, os blocos de rua em Salvador, Recife, Olinda; as incríveis festas juninas; as manifestações folclóricas como Maracatu e Bumba Meu Boi e a música, como o forró, frevo, axé e baião, que tantos nordestinos famosos nos deram, como Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Dominguinhos, Alceu Valença, Gil, Caetano, Gal Costa e Raul Seixas.
Também nas artes e na literatura, os nordestinos têm nomes expoentes, como os do pintor Pedro Américo; e os escritores José de Alencar, Graciliano Ramos, Gonçalves Dias, Manuel Bandeira, Jorge Amado e Raquel de Queiroz, sem falar em Ariano Suassuna e Chico Anísio.
Gente que enfrenta desafios e aposta no empreendedorismo
Todos esses fatores acabaram por forjar homens e mulheres determinados e empreendedores.
É o caso da baiana Olíbia Souza Barbosa. Quando ainda era professora, começou a fazer doces e salgados para vender para a vizinhança na cozinha de sua casa, em Barreiras, na Bahia.
Com uma boa propaganda boca a boca, o negócio fluiu e surgiu, então, a Doçura Buffet, que além de servir tortas, doces e salgados em sua loja, ainda é especializada no fornecimento de buffet para eventos sociais e corporativos.
Olíbia conta que “o mais difícil foi começar um novo negócio sem nunca ter tido experiência anterior. Mas com o tempo, com qualidade, profissionalismo e tendo o cliente como foco, conseguimos chegar ao que somos hoje”. E completa; “O famoso boca a boca do início da Doçura serve até hoje: nossos clientes são os maiores promoters do negócio”.

Hospitalidade e empatia: marcas do nordestino
A hospitalidade, a gentileza e um nível maior de confiança nas pessoas são características que definem o povo nordestino, na opinião de Fernão Jorge Alcoforado. Formado em Zootecnia, ele trabalhou em fazendas e em um frigorífico até que resolveu empreender no ramo da gastronomia, montando uma pizzaria com seu irmão, em Imperatriz (MA), cidade onde nasceu.
Depois, abriu a Forneria Gourmet, um restaurante italiano e pizzaria bem no centro da cidade. O empreendedor destaca que o povo nordestino é muito trabalhador, com raras exceções. E só o que precisa é de oportunidades, pois sabemos agarrá-las quando elas aparecem.
“Hoje temos aqui grandes empresas, principalmente na área do comércio. E se você reparar bem, verá que nossa personalidade, voltada para a gentileza e dedicação ao trabalho, faz com que, em qualquer lugar do Brasil, tenhamos sempre nordestinos atendendo, por exemplo, nos melhores restaurantes”, completa.
Humanidade inigualável
“Se tem uma palavra pra definir o povo nordestino, essa palavra é humano”, diz a cearense Andréia Costa, dona do Super Sacolão da Fartura, aberto por ela na pequena cidade de Jardim, no estado do Ceará.
Andréia começou a trabalhar muito cedo. Começou com confecções, depois lanchonete, e aos 22 anos, abriu o Sacolão da Fartura. “Iniciamos o trabalho com frutas. Até que eu recebi R$ 1.200,00 de auxílio-maternidade e investi na venda de cereais. Depois, em ovos artesanais de Páscoa. Aí fui investindo sempre. E percebi que por sermos uma cidade muito pequena, nós tínhamos pouca variedade de produtos e normalmente com preços altos.”
“Resolvi então colocar de tudo um pouco na loja, trabalhando forte em variedade, preço baixo e bom atendimento. Tanto que hoje, já fomos escolhidos como o melhor supermercado da cidade, aqui as pessoas se sentem em casa.”
Na loja, Andreia vende desde hortifrúti e alimentos até produtos de papelaria, brinquedos, utilidades para o lar, bijuterias e, inclusive, tem um setor de calçados e um “espaço baby”, como ela chama, voltado para vendas de produtos para recém-nascidos.
E está muito feliz com essa estratégia de diversidade de produtos e preços bons que ela adotou: “Nós fomos ao encontro do que as pessoas precisavam. E o resultado é que durante a pandemia, com as pessoas em casa, nossas vendas aumentaram muito”.
”O nordestino é aguerrido!”
Outro exemplo de empreendedorismo nordestino vem do jovem pernambucano José Renato Matias, nascido na pequena Ouricuri (PE), no sertão pernambucano.
Ele começou a trabalhar com 13, 14 anos, vendendo doces de porta em porta. Depois, passou a vender queijos em estabelecimentos comerciais. Até que, em plena pandemia, depois de ter ficado desempregado, ele resolveu dar um novo e importante passo.
“Apesar desses tempos difíceis”, conta ele, “estamos crescendo. Já são dez funcionários, já temos uma câmara frigorífica e uma frotinha com uma caminhonete, um carro e uma moto. E já estou comprando o primeiro caminhão”, conta orgulhoso.
Sobre o nordestino, principalmente os moradores de sua região do sertão, ele despeja elogios: “Olha, não é fácil! Apesar de todo o sofrimento, das dificuldades impostas pela natureza – muitas vezes o gado não tem o que comer – e por maus governantes, o nordestino é aguerrido, trabalhador. O nordestino é um forte!”
Povo que faz acontecer
Também muito precoce quando o assunto é exemplo de empreendedorismo nordestino, o igualmente pernambucano José Washington Ferreira da Silva, aos 19 anos seguiu os passos do pai (que já trabalhava com avicultura) e montou em Santa Cruz do Capibaribe (no agreste do estado), a Casa dos Ovos, hoje uma loja de conveniência que vende carnes, frangos, laticínios, queijos e produtos frigorificados.
Ele diz que o povo nordestino é arrojado e “empreende com sangue no olho”. E explica: “Se no Sul ou no Sudeste acontecer de ficar 60 dias sem chover, a coisa vira um caos. Aqui, chegamos a ficar dois anos sem chuva. A verdade é que o nordestino não se desespera com pouca coisa. E em termos de empreendedorismo aprendeu como poucos a conciliar as lições e o conhecimento com o lado prático da coisa. Aqui a gente faz acontecer!”
Brasileiros de verdade
Polyanna Gomes de Carvalho define: “O nordestino é acima de tudo um brasileiro. Um povo acolhedor, sensível, trabalhador”. Ela começou a trabalhar com pizzas junto com o marido, Augusto e hoje divide com ele o comando da “Disque Pizza”, tradicional casa instalada em um bairro nobre de Aracaju (SE).
O casal atende até 200 pessoas e tem no cardápio quase inimagináveis 140 diferentes sabores de pizzas, além de massas variadas.
Dizendo ser, acima de tudo, uma pessoa positiva, Polyanna fala que é preciso encarar esse momento delicado agradecendo pela saúde: “Eu não reclamo. Se a gente for procurar dificuldades encontra aqui no Nordeste ou em qualquer outro lugar. O importante é continuar trabalhando com muito amor para fazer as pessoas felizes.”
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